Lembro bem do dia em que passei no vestibular. Não foi um dia memorável, foi só um dia... "lembrável". No máximo. Antes que você, que tem como sonho momentâneo entrar para uma faculdade, me odeie, prometo que irei explicar o motivo do meu falso desdém com essa minha conquista (?).
Eu comecei o ensino médio sem saber muito bem o que queria fazer da vida. E terminei-o assim. No terceiro ano eu ainda não fazia ideia de que curso iria escolher. A única coisa que sabia era que tinha que entrar na universidade federal da minha cidade, mais para orgulhar a minha família do que por desejo próprio. Pois bem, terceiro ano, vestibular, escolher um curso, não necessariamente nessa ordem. O que aconteceu foi que mudei quatro vezes de ideia antes de fazer a inscrição para o finado vestibular da universidade. O resultado disso não foi a escolha de um curso que eu desejava fazer, mas sim o único que sobrou da longa lista de eliminação dos cursos que eu não gostaria de fazer.
Isso nos leva ao dia em que eu soube que havia passado no vestibular. Fui acordada pela minha avó, que havia escutado meu nome na rádio (sim, na minha cidade eles tem o costume de divulgar o nome dos calouros em uma rádio local), e ainda sonolenta, sem entender direito por que ela estava gritando, ganhei de presente um ovo estourado na cabeça (sério, quem inventou essa tradição?). Não vi o resto da minha família até a hora do almoço, quando voltaram do trabalho. Já tinha tirado, com muito custo, o cheiro de ovo do cabelo e fui parabenizada por todos. A tarde fui a escola (minha escola entrou em greve naquele ano e as aulas estavam atrasadas. O resultado disso? Ainda estava estudando quando o resultado do vestibular saiu). Na escola tive muito cuidado para fugir dos amigos que queriam uma comemoração mais tradicional, porém, nem assim, escapei das novas ovadas (sério mesmo, quem inventou essa droga??). Já estava ficando estressada com tudo aquilo e por ter que lavar o cabelo com esmero novamente no mesmo dia. No início da noite, minha família fez um churrasco para comemorar a minha aprovação e convidei alguns amigos próximos. A verdade foi que todos se divertiram comendo e bebendo a beça, enquanto eu estava estressada e chata (palavras do meu melhor amigo) e cheirando a ovo. Por isso eu disse no começo que foi um dia apenas "lembrável", e não memorável, como deveria ter sido.
O fato é que, àquela altura dos meus míseros dezessete anos, eu não estava contente e, talvez, os ovos não tenham tido nada a ver com isso. Eu não havia passado no "curso dos meu sonhos", nem na "coisa que eu quero fazer pro resto da vida", eu só havia passado em um curso qualquer pra alegrar meus pais, e isso me frustrou. Muito.
Se eu soubesse que àquele dia mais ou menos, aquele dia "lembrável" seria um retrato fiel dos próximos cinco anos da minha vida. Não da minha vida como um todo, coisas maravilhosas aconteceram nesse tempo, mas da minha vida acadêmica...
Veja bem, eu comecei a faculdade sem expectativa nenhuma. Depois, eu acabei gostando do curso. Fiz novos amigos, tirei boas notas, tive professores excelentes e experiências propiciadas pela vivência da universidade que me fizeram crescer e amadurecer como pessoa. Muita diversão também, é claro. Mas aquela angústia que parecia ter adormecido no primeiro dia de aula, começou a voltar conforme os semestres se passavam. Embora eu gostasse do curso, eu não me via trabalhando naquela área, ainda não era o que eu queria. Uma única pergunta rondava minha cabeça todos os dias: "O quê eu vou fazer depois?"
Essa pergunta me atormentou dias e noites. Cheguei a sonhar com isso. E logo isso começou a afetar outros aspectos da minha vida que nada tinham a ver com a faculdade. A eterna sensação de que eu não sabia o que fazer com a minha vida e que talvez aqueles cinco anos houvessem sido uma perda de tempo e esforço me fizeram pirar.
Entrei em uma espécie de coma, porém eu estava acordada. Inércia total. Não tinha mais vontade de socializar, de me divertir, nem de assumir minhas responsabilidades. Fiz mal a mim mesma e às pessoas que me amavam (amam ainda, espero). Simplesmente comecei a me odiar e odiar tudo ao meu redor, pois não via mais nenhum sentido na vida. Me achava um desperdício de espaço. Morri todos os dias, aos poucos. Acordava pensando em voltar a dormir, e quando tentava dormir minha mente se martirizava com aquela pergunta: "O quê eu vou fazer depois?".
"Simba, tudo o que o sol toca é o quão inútil eu sou"
Por sorte, comecei um tratamento psicológico antes que as coisas ficassem piores, o que me ajudou imensamente, e tive muito apoio de pessoas que eu amo que compreenderam a minha situação. Além disso, aprendi com a experiência de pessoas mais velhas que eu não precisava ter pressa para conseguir a minha carreira dos sonhos aos 22 anos. Ainda tinha tempo para tentar outra coisa, errar de novo, tentar mais um vez... Até me encontrar, finalmente, na vida. Parece bobo dito assim, mas penso nas inúmeras pessoas que passam pela mesma situação e não conseguem o mesmo apoio. Dentro meu próprio convívio social conheço pessoas que precisaram passar a tomar medicações para poder voltar a viver normalmente. Nem todo mundo tem acesso a esse tipo de ajuda. Infelizmente, já dizem há algum tempo "depressão é o mal deste século", e parece que a nossa geração Y é altamente suscetível a ela.
P.S. Deveria ser crime deixar um menor de idade que acabou de sair da fase da "aborrecência", que não tem responsabilidade e maturidade para consumir bebidas alcoólicas ou dirigir um carro, decidir o próprio futuro. Só acho.
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