terça-feira, 8 de novembro de 2016

Capítulo 1 - O gato infeliz

         Sempre fui uma dog person. Se você não sabe o que é um  dog person, dê uma googlada (sim, esse verbo existe). Até onde consigo recordar memórias da minha tenra infância, sempre houve cães em casa. Vira-latas, cães de raça, pequenos, grandes, escuros, claros. Alguns viveram plenos 14 anos, outros nem chegaram ao primeiro ano completo, alguns fugiram, outros morreram de velhice, enfim, cresci convivendo com esses animais e tendo eles como uma parte importante da minha vida. E digo, com algum orgulho, que conheço esses animais. Consigo interpretar sinais de felicidade, cansaço, estresse e tristeza por parte deles. Sei que tom de voz usar para reprendê-los pelo lixo revirado e aquele que vai deixá-los a fim de começar um cabo de guerra com um pano de chão.
        E nesses anos todos, convivendo com todos esses cachorros, aprendi que os cães são as criaturas mais felizes do mundo. É sério! Se você não acredita é porque você não tem um cachorro. Eles se contentam com pouco, pouquíssimo mesmo. Um pedaço de pau (o já citado pano de chão), um naco de comida dado por baixo da mesa, você chegar em casa depois de passar o dia fora. São pesquenas coisas que, para o cachorro, são acontecimentos estupendos e deixam ele com aquela cara de bobo (ou de felicidade, se preferir). O que eu quero dizer é que dá pra ver como os cachorros são felizes, e você nem precisa de todos esses anos de experiência como eu, é perceptível. Cães são muito transparentes.

Você tem alguma dúvida de que ele está feliz?
         Agora eu te pergunto, você já viu um gato feliz?
        Eu nunca fui muito fã de gatos. Tudo o que eu via nos desenhos animados e filmes era que eram criaturas vis e indiferentes que queriam comer bichos menores (ou dominar o mundo). E por conta disso nunca tive a menor vontade de ter um. Acontece que depois dos meus 20 anos de vida, durante uma viagem de intercâmbio pra outro país, a minha família (super dog person) adotou um gato. 
      Quando voltei pra casa, lá estava ela. Indiferente a minha presença, se pretendendo dona do pedaço. Eu era a estranha e um simples olhar daquela gata me fazia sentir a pessoa mais insignificante da face da Terra. Ela era como uma rainha autoproclamada e seu poder permitia afrontar até mesmo a nossa cadela mais recente, que estava conosco há quase dois anos. Essa gata foi o meu primeiro contato com o mundo felino, aquele que quem está de fora tem certo preconceito e quem está dentro jura que é a melhor coisa do mundo. Essa gata não ficou muito tempo conosco, ela foi embora depois de ter alguns filhotes. Ela. Foi. Embora. Isso mesmo. Depois de reinar absoluta em nossa casa, e nos fazer sentir afeiçoados pelo primeiro gato em nossas vidas, ela nos deixou. Guarde isso.
      Ficamos com outras duas gatinhas dos filhotes que nasceram. Meu irmão escolheu uma e eu escolhi outra, pois ainda estava deslumbrada por esse novo mundo. Queria saber mais a razão desse comportamento recluso e indiferente. Pensei que, talvez, se a criasse desde pequena seu comportamento seria diferente do de sua mãe. Ela se apegaria a mim e seria meu novo bichinho amoroso e dedicado. Doce engano.
       Diferente de todos os cachorros que tive que pareciam implorar pela minha atenção e eu não precisava de muito esforço para retribuí-los, criar a Arya (é a gata, só pra deixar claro como o dia) é um esforço diário. Eu me vejo no papel de implorar por sua atenção e fazer de tudo para agradá-la, enquanto ela me lança um olhar (que eu juro ser de desprezo por eu andar em duas "patas") e vai embora rebolando o quadril e sacudindo a cauda pra lá e pra cá. Eu suspiro frustrada. Não foi dessa vez.
      Não adianta usar aquela voz fina e irritante perguntando "Quem é a minha garota?". Ela deve pensar que tenho algum tipo de retardo mental nessa hora. Carregá-la parece uma tortura, pra ela, é claro. Ela esperneia, mia e finalmente se livra do aperto pulando graciosamente com as patinhas brancas em direção ao chão e pousando como uma pluma. As vezes, olha de volta antes de sair como se dissesse "Não faça mais isso.". Muitas vezes ela faz um jogo sádico comigo que consiste em roçar nas minhas pernas pedindo atenção e quando me inclino para afagar seus pelos ela se afasta como se eu tivesse alguma doença contagiosa. Se os animais são mesmo irracionais eu me pergunto em que ponto da vida a mãe natureza ensinou esse truque perverso aos gatos. 
Se os cães vivem em nossa função, nós vivemos em função dos gatos. Bom, pelo menos eu vivo em função da Arya, qualquer coisa para que ela me deixe amá-la. E ao final do dia, quando tudo o que resta em mim é frustração e vontade de ignorá-la para o resto de sua curta vida, ela aprece com a expressão mais fofa que sua cara indiferente consegue reproduzir e sobe na minha cama. Ali ela roça em mim durante alguns bons minutos e depois se aconchega perto do meu peito, enquanto, incrédula, a única coisa que consigo fazer é assistir. E mesmo depois, quando algum dos meus braços já está dormente porque ela se mexeu e deitou em cima dele, eu não consigo me mover, não quero acordá-la. 
      As vezes, gosto de comparar minha relação com a Arya como a de relacionamentos não correspondidos. Aquele em que você pensa na pessoa o tempo inteiro, mas ela não manda um mensagem sequer pra você. E daí, ela simplesmente aparece querendo dormir com você, e troca promessas de amor durante a noite e no dia seguinte desaparece de novo. 
Mas parando pra pensar melhor, diferente do carinha que não está tão a fim de você, os animais não fazem de propósito. A minha gata (e talvez o seu, se tiver se identificado com esse texto) não me ignora porque quer. Ela nem sabe que faz isso. O problema é que cresci com uma realidade totalmente diferente, onde os meu animais de estimação eram extremamente dependentes de mim e por isso estavam sempre ansiosos pela minha presença. Porém, os gatos (como aprendi durante esse último ano), tem um dinâmica completamente oposta. Eles não precisam de nós para quase nada. Eles podem caçar seu próprio alimento, eles tomam banho sozinhos e até enterram seus excrementos. A verdade é que os gatos não são mal agradecidos, ou indiferentes. Eles só são muito independentes. Essa é a palavra: independentes. Gatos são bem resolvidos. Mas é possível perceber o afeto deles, quando, por exemplo, mesmo sendo animais atentos e desconfiados, eles nos deixam ficar por perto em seu momento mais vulnerável: durante o sono. 
         Hoje em dia, com o afeto escasso, acho que estamos muito carentes. Eu me sinto carente e, por vezes, tento compensar isso com meus bichinhos, por isso a distância da Arya me deixa tão frustrada. Na verdade, eu deveria tomá-la como e um exemplo e aprender a caminhar em minhas próprias pernas sozinha.
         A única coisa que me incomoda, bem mais que tudo, nos gatos é a sua falta de expressividade. Até hoje, quase um ano sendo dona de gato, ainda não sei quando estão felizes, se é que ficam felizes em algum momento, ou se suas existências se resumem a "desprezar" tudo todos os dias. Quando eu olhava para a primeira gata que tivemos e via sua eterna expressão de indiferença, me perguntava o que se passava dentro dela e o que ela estava sentindo. No fim das contas, quando ela nos abandonou, me perguntei se ela nunca havia sido feliz conosco. 


Viu a diferença?
        Apesar de tudo, vou continuar explorando esse mundo felino. E vou continuar amando cães. E tentar, como uma mãe que lida com dois filhos de personalidades diferentes, lidar com as particularidades de cada um. E pedir desculpas por esse final horrível. Eu não sei lidar com finais.

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